segunda-feira, 16 de fevereiro de 2015

Turismo e a importância da Cultura Popular




TURISMO E A IMPORTÂNCIA DA CULTURA POPULAR

Marlei Sigrist*  e  Roberto Benjamin**
* Presidente da Comissão sul-mato-grossense de Folclore 
** Presidente da Comissão Nacional de Folclore

Pelo turismo, o homem procura comunicar-se com seu semelhante e conhecer a maneira peculiar de ser dos habitantes da regiões visitadas. O turista procura atrativos naturais e culturais que não estão interligados ao seu cotidiano e, por isso, a comercialização da cultura local (diferente daquela do forasteiro) tornou-se um dos pontos mais fortes para o turismo. Assim, um dos objetivos na oferta de produtos é o de estimular os turistas e oferecer-lhes a oportunidade de conhecer os habitantes da região, seus modos de vida, suas atividades profissionais (como a agricultura, a pecuária, a pesca); suas atividades sociais (dos encontros marcados pelas festas, festivais e competições); suas atividades estéticas (das construções, ornamentações, produção de arte em todas as linguagens e de artesanato); suas marcas históricas (condensadas nos museus e exposições); sua  gastronomia (da culinária tradicional à sofisticada) e todas essas modalidades gravadas pela produção literária de maneira poética, histórica, formal ou alternativamente na camada popular.

A expectativa sobre os efeitos da massificação dos produtos culturais, provocados pelo processo de globalização, alimentada principalmente pelos meios de comunicação, leva os estudiosos da Cultura a questionarem  sobre o possível desaparecimento de manifestações culturais populares. Enquanto isso, alguns profissionais do turismo vendem viagens, cujo slogan é “conheça, antes que acabe”. Sabemos que estamos vivendo o mundo das transformações rápidas e isso nos afeta, principalmente em relação ao já vivido, ao já estabelecido pelas gerações anteriores, gerando angústias, dúvidas e sensação de perdas antecipadas.

Mas, como se sabe, Folclore é entendido como cultura popular tradicional, que é dinâmico e evolui com as mudanças da sociedade. Folclore não é sobrevivência, mas cultura viva. As manifestações folclóricas são criação do povo brasileiro, embora algumas não sejam criações espontâneas, pois foram recriadas e incorporadas às tradições brasileiras. 

A circulação dos fatos culturais é uma realidade inegável e desde o início da colonização procedeu-se o amálgama da contribuição das diferentes etnias e das diferentes classes sociais, das instituições políticas, militares e, especialmente, religiosas. São, por exemplo, os pastoris religiosos, implantados a partir dos rituais de catequese, incorporados na sua forma original e re-inventados na contrafação obscena do pastoril profano. Em alguns desses pastoris, foi verificada a introdução de temas de óperas levadas à cena, no Brasil, no século XIX por companhias européias. São os festejos de Reis de Congo, da Festa do Rosário, que incorporaram a música e a dança africanas e conservaram nos maracatus os trajes da realeza européia. São os batalhões de bacamarteiros, com formação militar referente ao período da Guerra do Paraguai, trajando de cangaceiros. 

Quando se buscam os signos da identidade nacional e das identidades regionais, é para o folclore que todos se dirigem, tanto os órgãos de governo como as empresas comerciais e industriais, os meios de comunicação de massa, especialmente os voltados para a promoção do turismo. Todavia, a preocupação pela preservação e incentivo destas manifestações não corresponde a este interesse. Os lucros auferidos com a utilização dos signos da cultura popular nunca são revertidos em benefício dos seus autores. Não há uma política para o Folclore. 

No Brasil, a preocupação com a proteção aos bens culturais expandiu-se a partir do Movimento Modernista, de 1922.
Em relação aos bens imateriais, há mais de meio século, por iniciativa do escritor e diplomata Renato Almeida, criou-se a Comissão Nacional de Folclore.
Documentos oficiais brasileiros têm apontado como principais problemas que interferem na continuidade e na manutenção das expressões da cultura tradicional o turismo predatório, sua apropriação inadequada pela mídia, a uniformização de produtos decorrente do processo de globalização da economia, a apropriação industrial desses conhecimentos e a comercialização inadequada, sem remuneração aos autores, o que, aliás, confirma, em relação ao Brasil, o que já havia sido indicado na reunião da UNESCO, em Praga (República Checa), no ano de 1997. 

Além dos fatores acima apontados, é necessário destacar o desaparecimento da base material dos bens imateriais, a perda de tradicionais fontes de financiamento, a perda de funções, as migrações, o impacto da comunicação de massas, a espetacularização dos rituais, o desinteresse dos órgãos públicos, a perda da auto-estima etc.:

- as atividades do fazer dependem, essencialmente, da existência da matéria-prima; assim, a cerâmica não subsistirá sem o acesso às jazidas de argila; 
- os pequenos comerciantes, tradicionais financiadores de grupos populares, que obtinham retornos financeiros com festejos populares, estão desaparecendo, substituídos pelas redes das grandes lojas e hipermercados; os mestres, que tinham acesso aos donos das bodegas e armarinhos, não têm como chegar até à França, à Holanda e aos Estados Unidos ou aos centros financeiros de São Paulo, onde são decididos os empregos das verbas destinadas a incentivos culturais; 
- as mudanças tecnológicas levam à perda de função de algumas manifestações populares, por exemplo, o uso do fogão a gás, a concorrência do alumínio e do plástico põem em risco a continuidade da cerâmica utilitária e da cestaria; 
- as migrações dispersam a população das comunidades, tornando inviável a reunião dos brincantes que viviam em grupos de vizinhança; 
- a comunicação de massas tem projetado modelos culturais onde predominam os aspectos visuais sobre os demais valores das manifestações populares; assim, as escolas-de-samba do Rio de Janeiro e São Paulo e o boi-bumbá de Parintins (AM) estão se tornando referenciais para a compreensão dos espetáculos populares;
- além dos espetáculos populares, rituais populares, de natureza comunitária estão sendo convertidos em espetáculos de massa por iniciativa de órgãos públicos, promoção do turismo e meios de comunicação de massa; é o caso das cerimônias conhecidas como “panela-de-Iemanjá” e várias outras.
- mesmo utilizando os signos da cultura popular, órgãos públicos estaduais e municipais destinam ínfimos recursos ao pagamento de apresentações dos espetáculos populares e supervalorizam os elementos provenientes da comunicação de massa; assim, por exemplo, o total da verba destinada às agremiações populares do Recife (cerca de 200) é inferior ao cachê pago a um único cantor e sua troupe para um espetáculo de massa, durante o mesmo carnaval; 
- todos esses fatores  e – mais – a redução do seu público ou de consumidores (caso do artesanato), tem levado os portadores da tradição a considerar o seu patrimônio cultural como indesejado pela sociedade, inviabilizando a  transmissão do seu conhecimento para as novas gerações, cujos membros, aliás, estão sendo mais motivados para participar da cultura de massas.

Percebe-se, então, que por um lado assistimos às ingerências e imposições e, por outro, sabemos ser necessária a divulgação das manifestações populares, para que não só o turista as conheça, mas também os moradores da própria região. Recorro às palavras de Saul Martins (1991) quando diz que o Folclore estimula o Turismo, dá-lhe calor e vida. Em compensação, o aplauso do turista entusiasma o povo, dá-lhe prestígio, alimenta o Folclore.  No entanto, os órgãos do governo, as empresas industriais e comerciais e as redes de comunicação não apenas reconhecem em seus discursos a necessidade da preservação da identidade, como têm explorado certas manifestações como as festas: de carnaval, de boi, de santos e outros folguedos populares em proveito próprio. 

Na prática, entretanto, pouco têm contribuído para o objetivo de sua preservação e, pelo contrário, algumas vezes têm ensejado a descaracterização, o empobrecimento e a desvalorização das tradições brasileiras. Essas posturas e pensamentos não são exclusivamente nossos, mas  encontrados em toda  América Latina.

As ações mercadológicas do turismo geralmente apresentam espetáculos populares aos turistas dos países desenvolvidos de forma inexata e romântica, contribuindo para a criação de uma imagem simplista e estereotipada.

Convém lembrar que o turismo é uma atividade apreciada por diversas classes, idades e categorias de profissionais. Cada uma delas está ligada a distintos interesses. A cultura popular oferece diversas possibilidades aos turistas: arte e artesanato, festas, danças, música, culinária, linguagem, literatura, usos e costumes.

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