segunda-feira, 16 de fevereiro de 2015

Adeus a Laura Della Monica





ADEUS  À  LAURA  DELLA  MONICA

(Laura faleceu em 11 de setembro de 2001)

Marlei Sigrist


Texto encaminhado à Câmara Municipal de Olímpia-SP e ao Comitê Organizador do Festival do Folclore de Olímpia-SP


Há exatamente um mês, a data de 11 de setembro significou para o mundo um dos momentos de maior violência da história da humanidade, mas significou também para nós, folcloristas brasileiros, uma data que registrou a perda de uma extraordinária pesquisadora, Laura Della Monica. Paulistana por paixão e cidadã olimpiense por homenagem, dedicou toda sua vida aos estudos do Folclore Brasileiro. Em todos esses anos, soube, amar, pesquisar, valorizar, reverenciar e divulgar a cultura do povo.

Seu currículo atesta o valor do seu trabalho, não só para São Paulo, mas para o Brasil, que pode ser aquilatado pelo número de publicações, entre livros e artigos, além das participações em incontáveis congressos, simpósios, projetos, festivais e cursos ministrados. Sobre isso, muitos outros colegas da área que conviveram com Laura poderão discorrer com maior propriedade. Minha pretensão é apenas a de testemunhar um período de convivência pessoal com a mestra nas últimas duas décadas.

Conheci Laura no início do ano 1980, na PUC de Campinas, quando tornei-me sua aluna no curso de Artes. Despertou minha atenção seu vasto  conhecimento sobre a matéria estudada, sem no entanto, deixar-se afetar por isso, mantendo postura ética ao tratar das diferentes correntes estudadas. Suas  atitudes eram simples e solidárias em relação a todos e, por isso, conseguia reunir um grande número de alunos interessados a sua volta.

Posteriormente, ela atendeu ao meu chamado para ministrar um curso em Campo Grande, na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, onde eu era responsável pela disciplina de Folclore Brasileiro. A partir daí, nasceu uma amizade saudável e duradoura, possibilitando conhecê-la melhor e também o seu trabalho. Lembro-me do respeito que Laura guardava pelo seu inspirador maior – Mário de Andrade – com o qual estava pesquisando, quando da morte do mestre. "A partir daí, já estava envolvida e nunca mais parei", conforme suas palavras no Manual do Folclore, um trabalho marcado pela seriedade, comprometimento e entusiasmo contagiante, qualidades essenciais ao educador. 

Como afirmei, ela gostava de São Paulo como ninguém, defendia-o, exaltava-o sempre que podia, principalmente nas visitas técnicas feitas em locais públicos e em palestras. Observei que até sua bagagem de viagem distinguia-se das demais, porque levava uma fitinha de seda nas cores da bandeira paulista (listras) presa à alça ou ao pacote.  Residia no coração de São Paulo, levando-me à difícil compreensão de como Laura, nos últimos anos, conseguia driblar o cotidiano do centro da cidade como a velocidade do trânsito nas travessias das ruas, o corre-corre do metrô e das linhas dos ônibus que ela se servia para transitar de um campus universitário para outro.

Acompanhei, de perto, seu empenho e entusiasmo por ocasião de seu doutoramento em Turismo, com tema relevante para a Museologia, ocasião em que buscava incessantemente material escasso para a defesa do seu trabalho, conseguindo transformar texto e álbum em material relevante para os estudiosos da área. No entanto, por essa ocasião, ressentia-se da falta de tempo para acompanhar mais de perto os assuntos que gostava – o folclore, sofrendo, inclusive com as perdas sucessivas de companheiros de luta.

Contudo, ela recebeu o reconhecimento do público e de seus pares, por diversas ocasiões, registrado nos títulos acumulados ao longo de sua carreira. Recentemente, em agosto deste ano, durante o I Seminário de Folkcomunicação, em Belo Horizonte, Dr. Saul Martins, homenageado do dia, durante sua fala  prestou homenagem a oitenta colegas pesquisadores do Brasil com os quais conviveu (a maior parte já falecida). Uma das pessoas homenageadas por ele foi Laura Della Monica, pela seriedade, pelo companheirismo e pela fibra com que sempre tratou a cultura popular brasileira no âmbito acadêmico e das comissões de Folclore. Poderia reportar-me também às palavras do Dr. Saul na apresentação da segunda edição do Manual do Folclore: 


Não têm conta as vezes que nos sentamos juntos para discutir conceitos cambiantes, ocasiões em que também recebi lições proveitosas sobre aspectos do seu maior agrado e familiaridade. Ou participantes de encontros nacionais e regionais e, permanentemente, desde 1951, nos ligamos para consultas sobre matéria controversa e ajuda mútua ou troca de informações. É longo o espaço percorrido e valioso o saldo que ficou de tal reciprocidade.


Outro reconhecimento importante, que me ocorre, foi marcado pela outorga do título Cidadã Olimpiense, pelos relevantes serviços prestados ao Município de Olímpia, no acompanhamento anual do Festival de Folclore daquele município. 

Cabe aqui um depoimento pessoal sobre o quanto significava o Festival de Olímpia e a eterna amizade dispensada ao amigo José Sant’Anna, apesar de algumas vezes discordar de alguns pontos, o que considerava extremamente salutar. Confessou-me  sua infinita tristeza quando o velho amigo, praticamente, faleceu em seus braços, durante uma das centenas de reuniões para a organização do evento. 

Por tudo isso, achei que era o momento de Laura Della Monica fazer um balanço, que com certeza seria apaixonado, da tradição olimpiense dessa festa, que faz parte do calendário turístico oficial do Estado de São Paulo, para apresentar na IV Folkcom (Conferência Brasileira de Folkcomunicação) /Cátedra Unesco de Comunicação no Brasil / UMESP, realizada em Campo Grande/MS, no período de 26 a 29 de junho/01. Laura atendeu ao convite e se propôs a analisar os 34 anos de festival que estiveram sob os cuidados do Prof. José Sant’Anna. Produziu, então, um texto voltado aos objetivos da Conferência, com vistas a ampliá-lo muito em breve, assim que entregasse os últimos trabalhos da editora para a qual escrevia. Infelizmente não deu tempo de concretizar essa idéia. O texto, sua última produção acadêmica, faz parte do acervo da IV Folkcom, que será publicado em CD. No entanto, apreciaria muito se o mesmo fosse publicado no próximo Anuário do Festival de Folclore de Olímpia, como forma de homenagem a quem muito contribuiu com sua obra e seu exemplo para Olímpia, para São Paulo e, em geral, para o conhecimento científico sobre a cultura popular.

      Campo Grande/MS, 11 de outubro de 2001.


Marlei Sigrist
    Presidente da Comissão Sul-mato-grossense de Folclore
 Profª do Departamento de Arte e Comunicação / UFMS



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