quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

É tempo de folias

 


É tempo de folias
Marlei Sigrist
(publicado no site WWW.terrasms.com.br)

Resumo: 
Folia, foliões e festa de Reis, enquanto elementos culturais reforçam uma tradição de quinhentos anos e expressam mais que simples ato de fé, preservam experiências, encontram educação, expandem vocações artísticas.

Folias e foliões não faltam o ano todo, pelo menos aqui no Brasil, mas não é sobre qualquer folia que desejo enfocar neste momento e sim as folias organizadas para ocasiões especiais, repetidas ciclicamente, ano após ano. Dentre elas, encontra-se a Folia de Reis.

No estudo da cultura popular, folias são cortejos formados por diversas pessoas com o intuito de comemorar algo. No caso da Folia de Reis, que também recebe outros nomes como: Companhia de Reis, Reisado e Terno de Reis, seu caráter é religioso e representa a viagem dos Magos a Belém. Geralmente a folia começa na noite de Natal e se estende até o dia 6 de janeiro, quando acontece a festa dos Santos Reis. Durante esse período, percorre bairros, cidades, fazendas, cantando em versos transmitidos de geração em geração o anúncio do nascimento de Jesus, seu padecimento e morte. 

Os grupos de Folias de Reis têm um alferes da bandeira, encarregado de levar o estandarte distintivo da folia; mestre e contramestre, que cantam e tocam; dois ou três palhaços com roupas vistosas e máscaras aterrorizantes, que se identificam com o "cão", Herodes, Exu e outras entidades representativas do mal e da desordem. Os palhaços cantam chulas (versos decorados a partir de folhetos de cordel ou improvisados), satirizam os presentes, contam histórias, cantam, pedem dinheiro, fazem malabarismos, organizam o cortejo, comandando com suas espadas de madeira. Têm uma participação contrastante com a dos demais foliões, que marcham sérios, disciplinados e compenetrados (fonte: Museu do Folclore Edison Carneiro). No entanto, quando estão diante do presépio, tiram suas máscaras e assumem um ar de respeito e seriedade, para declamarem suas vinte e cinco estrofes de versos que ilustram parte da vida de Jesus.
                          
De casa em casa, os foliões são acolhidos, recebem donativos, lancham, almoçam, rezam e cantam versos em frente ao presépio. É uma tradição muito antiga que, a partir dos presépios criados por São Francisco de Assis em 1223 na cidade de Grécio e popularizado em Lisboa por volta de 1391, cantos e danças populares da produção literária do povo, no século XVI, foram acrescidos às imagens expostas, numa interação teatral. A Península Ibérica foi o grande celeiro das manifestações populares para as Colônias e, no Brasil, os jesuítas garantiram sua reprodução, principalmente, por intermédio do teatro popular, com o fim último da catequese. Há informações que, já em 1575, dramatizavam, na Bahia, espetáculos que se chamavam “tramóias”, com duração de dois a três dias, incluindo muita música e técnicas de teatro moderno (atores e público interpelando-se de forma dinâmica).

Quem são os participantes da Folia? São, em primeiro lugar, pessoas de fé. Os grupos de foliões, geralmente, se organizam para cumprir uma promessa, ou se fazem presentes por fortes laços de amizade com os organizadores mais antigos. Em meio à modernidade, ainda é uma tradição muito difundida e presente em Portugal, principalmente nas regiões de Beira-Alta, Beira-Baixa, Minho e Trás-os-Montes. 

No Brasil, existem folias no interior dos Estados de Minas Gerais, principalmente os municípios do sul do Estado; São Paulo; Rio de Janeiro (mais de 40 grupos se espalham da Zona Sul às periferias e estendem as comemorações até dia 20 – dia de São Sebastião, padroeiro da cidade do Rio); Goiás, Espírito Santo, Mato Grosso, principalmente Vila Bela e Mato Grosso do Sul, na Capital e nos municípios de Aparecida do Taboado, Miranda e outros Distritos. Em Aparecida do Taboado acontece, todos os anos, o Encontro de Folias de Reis, reunindo grupos dos municípios do entorno, inclusive de São Paulo.

Há alguns anos, pesquisei uma Folia de Reis no Estado de Mato Grosso do Sul, que percorre as fazendas em Aparecida do Taboado, Inocência e Paranaíba, dependendo de onde mora o festeiro. Na ocasião registrei imagens dessa festa em fotografia e em vídeo-documentário, que depois se transformaram em material didático-pedagógico.

Durante a pesquisa ficou claro que qualquer um, que tenha um olhar mais atento, poderá enxergar as Folias de Reis para além de um simples evento comemorativo do ciclo natalino e perceberá, nos diversos níveis: 

. a tradição passada de uma geração à outra - o saber processado no cotidiano, reproduzido, alterado, refuncionalizado, reorganizado através dos tempos, frente às novas aquisições simbólicas e às novas informações; 
. a reafirmação da fé – a necessidade de renovar, ciclicamente, a ligação com o sagrado;
. os artistas populares - anônimos diante da sociedade de massa, mas reconhecidos como tais pelo grupo social ao qual pertencem; 
. os trabalhadores da festa - existe uma movimentação incrível de trabalhadores que preparam o evento, durante muitos dias, reforçando a solidariedade e a personalidade e coesão do grupo; 
. a presença da criança, tanto nos trabalhos, quanto nos festejos – é a  partir da sua participação, que ela apreende e aprende a cultura do seu meio social; 
. o papel social de cada um assumido naquele momento, durante a festa cada ator social poderá ser o que realmente é na realidade, ou poderá assumir outro papel diferente do seu cotidiano, como o caso dos trabalhadores braçais que, durante as folias, representam o papel dos palhaços, ou dos mestres, ou dos próprios Reis Magos.

O tema é instigante para discussões em várias áreas do conhecimento e a própria manifestação pode ser revalorizada a partir do apoio das secretarias de Cultura e de Turismo, visando ao incentivo cultural e desenvolvimento turístico das regiões onde ocorrem as Folias.






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